Prestando consultoria em empresas familiares

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Como prestar consultoria em Empresas Familiares?
LUZ Prime

Um projeto de consultoria por si só oferece seus desafios. Se o consultor se colocar no lugar do empresário e dos seus funcionários poderá perceber que quebrar uma cultura pode ser difícil. Porque biologicamente somos feitos para economizar energia.

Queremos encontrar soluções e um modus operandi o mais rápido possível para tudo em nossas vidas. Ou seja, somos naturalmente condicionados a padronizar para não gastarmos energia procurando formas de resolver desafios.

Quando, por razões internas ou externas, saímos da nossa zona de conforto, isso pode causar incômodo. E junto com o incômodo vem a resistência a mudanças.

Dependendo da necessidade de transformações e do modo como isso é feito, a aplicação de soluções em um projeto pode gerar problemas ainda maiores. Por isso, “sutileza” é um quesito que deve fazer parte do check list do consultor.

Mas e quando a empresa é familiar? Aí a coisa fica ainda mais delicada. Imagina só você diagnosticar que o cônjuge do seu cliente deve ser demitido? Que seu irmão não produz e ainda dá em cima da estagiária? Que seu filho faz corpo mole e dá péssimo exemplo para os demais funcionários?

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Se você não souber como conduzir essas questões pode ter uma grande dor de cabeça. Vamos conversar sobre isso agora.

O que é uma empresa familiar?

O que é uma empresa familiar?

Segundo o Sebrae, “um negócio familiar é a interação de dois sistemas separados, a família e o negócio, que estão conectados. As empresas familiares podem incluir diversos membros da família, tanto na parte administrativa quanto como acionistas e membros da diretoria.”

As empresas familiares representam 90% dos empreendimentos brasileiros e estão fundamentadas na confiança entre os membros. E quando esse negócio é bem-sucedido, é padrão se mantenha na família, sendo transmitido aos herdeiros dos fundadores, por gerações.

Em palavras mais simples, uma empresa familiar é um negócio onde o(s) fundador(es) envolve(m) seus parentes na sua concepção e lhes confiam cargos (muitas vezes estratégicos e, infelizmente, às vezes acima de suas capacidades de entrega), os quais podem receber salários onerosos. E aí é que começam os problemas.

Muitas vezes, alguns desses parentes, encaram como se tivessem “passado em um concurso público”, com estabilidade vitalícia. E, por vezes, sendo menos capacitados do que o cargo exige, prejudicam diretamente os resultados da empresa e o clima organizacional.

Tenho um exemplo simples, mas que ilustra bem o que é isso. Costumo levar meu carro para lavar em um ótimo lava-jato perto da minha casa. Porém, lá trabalha uma senhora extremamente antipática e que é mãe de um dos sócios.

Eu já cheguei a levar o carro para lavar e quando eu vi que ela era a única pessoa no atendimento, simplesmente dei ré e voltei em outro momento. Em outras vezes lavei o carro em outro lugar.

Cheguei a sinalizar para o outro sócio sobre isso, e ele basicamente me disse que isso era um grande problema que ele não conseguia resolver e que vários clientes reclamavam dela. Essa conversa virou praticamente uma sessão de terapia. E eu pensava comigo: “Olha só a bronca! Quem conseguiria demitir a própria mãe?”

Quem manda em uma empresa familiar

Costumo brincar que quem manda é o(a) marido/mulher do(a) chefe. Se desobedecer em casa, passa a semana dormindo no sofá. Mas, brincadeiras à parte, quem deveria mandar é a pessoa que fundou a empresa, só que em alguns casos essa pessoa parece esquecer disso.

Já vi empresários cederem às exigências de parentes parasitas só para se verem livres da situação e conseguirem um pouco de paz. Assim como já ouvi histórias de brigas terríveis na mesa de jantar por causa de trabalho e de irmãos se odiando.

Empresas familiares: ceder a exigências de parentes parasitas

Acredito que o primeiro grande cuidado que o empresário deve ter é o de “colocar cada um no seu quadrado” no momento da contratação e explicar quem é que manda. Isso resolve 80% do problema.

Os outros 20% são os lembretes diários que precisa dar para aqueles que querem colocar as mangas de fora. Se isso for feito logo no início, a dor de cabeça pode ser evitada.

Descobrindo as verdadeiras necessidades em uma empresa familiar

Minhas formações em inteligência emocional me ensinaram uma coisa: as maiores necessidades e dores de qualquer pessoa são aquelas que elas não admitem nem para si mesmas.

Imagina só. Você acha que o dono do lava-jato que eu mencionei não sabe que tem que demitir a sua mãe? Claro que sabe! Mas é uma decisão que ele prefere levar com a barriga e provavelmente fica mentindo para si mesmo pensando coisas do tipo: “ela vai melhorar”, “vou dar outra coisa para ela fazer”, “não é bem assim”.

E ele só faz isso porque, pelos menos agora, o estresse em demiti-la é maior do que o estresse em deixá-la atrapalhando o seu negócio. Ele (talvez) só irá tomar uma atitude quando sentir que realmente seu negócio está prejudicado.

Em momentos como esse, o consultor deve usar seu lado “terapeuta”. Mas não confunda: você deve fazer isso com o objetivo de atingir um resultado, e não porque você quer afogar as mágoas junto com o seu cliente.

O lado terapeuta do consultor é importante nas consultorias para empresas familiares

É preciso fazer com que o cliente admita e externe a sua necessidade e, a partir daí, você “malandramente” direciona o empresário a tomar uma atitude.

Vou dar um exemplo: imagina que em uma empresa, o CEO precisa demitir seu irmão, porque ele não produz, não evolui após os feedbacks do RH e ainda dá mal exemplo para os demais. Ou seja, uma verdadeira maçã podre.

Após detectar isso no seu diagnóstico, você não poderá sugerir o seu desligamento, diferentemente de qualquer outro funcionário. Então, o que você pode fazer?

  1. Apresente evidências do prejuízo material e humano que ele vem tendo, assim como a informação de que ele não apresenta sinais de mudança.
  2. Conscientize o empresário da sua responsabilidade na solução. É importante entender que, por questões familiares, isso pode ser uma decisão difícil para ele, então ele vai precisar de você para aliviar esse fardo.
  3. Reúna todo esse dossiê e apresente ao seu irmão e pergunte o que está acontecendo (ele, mesmo que se vitimizando, terá que dar um feedback para a empresa melhorar), e vocês trarão consciência sobre as suas atitudes e as consequências do seu comportamento.
  4. A intenção não será mudar o seu jeito de ser (se isso acontecer, ótimo), mas sim mostrar para ele que a empresa está lhe dando todo o feedback sobre que PRECISA que ele melhore.
  5. Construa um plano de ação contemplando tudo o que se espera dele, com prazo para uma nova avaliação, assim como feedbacks recorrentes durante o período.
  6. Não havendo evolução, o irmão terá consciência de que a empresa deu todas as chances para ele mudar e que agora ele será demitido sob razões e evidências fortes.

Será fácil fazer isso? Não. Mas quem deixou esse problema crescer foi o empresário. Se ele não tomar uma atitude, você deve (respeitosamente) questioná-lo:

  • Como está o resultado dele hoje?
  • Quais são as consequências disso?
  • Como estará a motivação e engajamento das outras pessoas se nada for feito?
  • Quais são as chances de a empresa perder talentos por conta dessa situação?
  • Quais são as chances do problema se agravar e ele perder o controle?
  • Seria bom se isso se resolvesse? (nesse momento o método de venda SPIN é uma boa ferramenta para conscientização e encorajamento).

O feedback em uma empresa familiar

Todo cuidado é pouco ao dar feedbacks para os parentes dentro de uma empresa. É muito comum ver pessoas se vitimizando e colocando a culpa na empresa ou nos outros. Essa é uma fórmula perigosa para desencadear uma briga de cunho pessoal entre os envolvidos.

Então, o consultor, além de precisar ter jogo de cintura, tem que ser um bom intermediador. Novamente, a melhor maneira é trazer consciência para todos os envolvidos. Eu geralmente aplico duas estratégias:

  1. Gosto sempre de mostrar às pessoas que temos que nos unir para atingir os objetivos da empresa e que eles são peças fundamentais e indispensáveis nessa busca. Costumo, inclusive, finalizar com a pergunta: “Concordam comigo?”. É claro que eles vão dizer que sim! Dessa forma, eles se desarmam e ficam mais abertos ao feedback.
  2. Outra estratégia que aplico é transferir a responsabilidade para eles mesmos. Faço isso, pedindo para que eles “me lembrem” do seu papel na empresa e das suas principais responsabilidades. Essa atitude faz com que eles pensem e externem o que eles devem (ou deveriam) fazer no dia a dia da empresa.
    Nesse momento eu pergunto algo do tipo: “e como estão essas entregas? Você considera eficiente isso que você faz? Qual foi a última melhoria implantada? Como está o planejamento para os próximos meses?”. Essa é a hora em que tudo vem à tona.

Mesmo às vezes querendo dar um atestado de incompetência, temos que atenuar o fato. Esse jogo de “bate e assopra” faz com que eles admitam sua necessidade de evolução e mudança de comportamento.

O fechamento dessa estratégia está em envolvê-los na construção do plano de ação para melhoria dos resultados.

É fácil? Não. Mas é necessário. Acredito que essa “reunião de alinhamento” traz uma nova visão (inclusive mais imparcial) do que realmente precisa mudar na empresa.

Em outras palavras, o empresário entende que precisa mudar a sua postura com seus parentes e os familiares entendem que não estão ali para passear, mas sim para dar resultados e exemplo aos demais.

Lembrete: isso não acontece da noite para o dia. Mas é importante mostrar ao empresário que uma hora essa mudança precisa ocorrer. Que melhor momento se não o agora?

Tornando a balança justa entre os familiares e outros colaboradores

Outra coisa importante a se destacar é que seu cliente não pode aceitar de maneira alguma perder talentos por causa da falta de atitude frente a familiares que não produzem. Já imaginou o prejuízo causado por isso?

Empresas familiares: como balancear a empresa?

Você, enquanto consultor, deve dar esse choque de realidade nele. A imparcialidade deve fazer parte do processo. Como? Mostrando, através de evidências, o que ou quem dá mais resultados. Dessa forma, ele terá segurança para tomar decisões que sejam melhores para a sua empresa.

Reconhecer e premiar talentos (seja com promoções ou bônus) é sempre uma ótima estratégia. Dessa forma, os demais funcionários entenderão que o seu cliente tem uma gestão imparcial, e os seus parentes saberão que não são tratados com privilégios.

Mas, e se o CEO não tiver coragem para fazer o que é certo para o seu negócio? Vamos às perguntas de conscientização:

  • Como estão os resultados da empresa hoje?
  • Quais são as consequências disso?
  • Como estará a motivação e engajamento das outras pessoas se nada for feito?
  • Quais são as chances de ele perder talentos por conta dessa situação?
  • Quais são as chances do problema se agravar e ele perder o controle?
  • E, por fim, seria bom se isso se resolvesse?

O seu papel na consultoria em empresas familiares

Entenda uma coisa: você não pode se envolver pessoalmente ou emocionalmente com os problemas do seu cliente. Um projeto de consultoria existe para apontar o caminho. O empresário segue se ele quiser.

É muito bom (até para o crescimento da sua autoridade) gerar ganhos em seus projetos. Mas consultoria é igual a casamento: de que adianta dar flores, viagens e joias para a sua esposa, esperando conquistá-la, se ela não te ama?

Você já fez o seu trabalho. Já rodou diagnóstico, já mostrou as consequências futuras e já detectou quem prejudica os resultados. Cabe a ele tomar as rédeas da situação, ou não. Não ultrapasse esse limite. Não é o papel do consultor.

LUZ Prime